Não vou mentir para vocês, sou um grande fã da franquia Star Wars. Quando vi o anúncio de que a Ubisoft estava trabalhando em um jogo de mundo aberto, focado no submundo criminoso da franquia de George Lucas, fiquei no hype. E aqui chegamos a Star Wars Outlaws!

Claro que sempre há ressalvas involuntárias quando falamos da Ubisoft, pois a repetição de fórmulas no ciclo de gameplay sempre foi o calcanhar de Aquiles da desenvolvedora. No entanto, acho que ninguém pode negar que a construção de mundos do estúdio sempre foi seu ponto mais forte. Por isso, imaginei que, no mínimo, a imersão no mundo de Star Wars seria incrível, assim como em Avatar: Frontiers of Pandora.

Para quem não sabe, além do talento na criação de mundos virtuais vivos e verossímeis (com um ou outro bug), a Ubisoft também é versada na implementação de recursos de acessibilidade para jogadores com deficiência, já há um bom tempo. Mesmo sendo uma empresa com certa experiência na criação de ferramentas bem-vindas que incluem mais pessoas na jogatina, ela nunca foi excepcional nessa área. 

Suas adições, isoladamente, são muito boas — mas, em conjunto, acabam não funcionando como deveriam. Por consequência, isso acaba deixando aquela sensação de “Nossa, se tivesse somente mais uma ferramenta complementar, seria perfeito.” Assim, a Ubi cria recursos muito bons, mas sempre escorrega em detalhes.

Então fica a questão: será que desta vez a Ubisoft chegou lá? Será que temos, finalmente, um jogo polido em termos de acessibilidade? Star Wars Outlaws é acessível para pessoas com deficiência? Descubra na nossa análise completa.

Como funciona uma análise de acessibilidade?

Antes de mais nada, vale destacar que essa análise foi realizada com uma cópia de Star Wars Outlaws para PlayStation 5, fornecida gratuitamente pela equipe da Ubisoft Brasil. Esta cópia também foi utilizada na review principal do jogo, disponível aqui. 

Além disso, gostaria de ressaltar que a acessibilidade se aplica de maneira única para cada pessoa, e essas são minhas impressões pessoais do jogo como pessoa com baixa visão. Meu objetivo é destacar as opções presentes no jogo que o tornam mais inclusivo.

Interface e Leitor de Tela

A introdução à interface de Star Wars Outlaws é bem organizada e inclusiva. Ter uma interface prática e altamente customizável é essencial em qualquer forma de mídia interativa, especialmente em games, onde dois elementos principais precisam de atenção: os menus e o HUD dentro do gameplay.

Assim como em outros jogos da Ubisoft, Star Wars Outlaws oferece um alto nível de customização. Logo na primeira tela, o jogador é recebido com duas opções: começar o jogo imediatamente ou acessar as predefinições de acessibilidade. Isso permite que os recursos de acessibilidade sejam ativados de maneira simples, direta e automática, demonstrando que a experiência inclusiva foi considerada desde o início do desenvolvimento.

As predefinições apresentadas são: jogabilidade, cognição, cores, visão e sons. Cada uma, se habilitada, ativa automaticamente as principais opções relativas à predefinição específica. Devido ao alto número de opções de acessibilidade dentro do jogo e ao tempo limitado que tenho para fazer esta análise, não consegui cobrir todos os recursos de forma aprofundada. 

Tenho a impressão de que, se o fizesse, o texto acabaria parecendo um grande relatório, e esse não é o meu objetivo. Por isso, destacarei os principais recursos presentes no game, com seus pontos positivos e negativos.

Falando dos menus fora do gameplay, temos opções como mudar o tamanho da fonte do texto, e também um leitor de tela. No entanto, o leitor de tela está disponível somente em inglês, o que é um ponto negativo, já que o jogo está oficialmente disponível no Brasil, inclusive com dublagem em PT-BR. 

Lembrando que esta análise foi feita na versão para PlayStation 5, e em outras versões do jogo isso pode ser diferente, como na de PC, por exemplo. Porém, como não tive acesso a essas versões, não sei dizer se o leitor de tela está disponível em português em outras plataformas.

Dentro do gameplay, temos um alto nível de customização, que vai desde a possibilidade de jogar com a interface completamente sem ícones, proporcionando uma experiência mais imersiva, até a forma que eu escolhi, onde é possível ativar todos os tipos de indicadores que você possa imaginar. Existem funções na interface, como a alteração do tamanho dos ícones que indicam o objetivo, setas que indicam direções de sons, auto contraste, entre várias outras.

Falando do autocontraste, temos aqui, ao mesmo tempo, a melhor e a pior implementação desse recurso que já vi em um jogo. O autocontraste tem como objetivo auxiliar na visualização de elementos do jogo, sendo normalmente utilizado por jogadores com baixa visão, como é o meu caso. 

A melhor parte da implementação é o nível de customização, que é bastante impressionante. Temos praticamente um “Photoshop” de possibilidades de escolha para elementos como diferentes cores e opacidades para aspectos do jogo, como inimigos, itens interativos, itens de plataforma, entre outros elementos do ambiente do game.

Também considero esse recurso como a pior implementação de autocontraste que já vi, justamente porque sua função está descrita no nome. O autocontraste tem como objetivo aumentar o contraste entre o mundo do jogo e seus elementos interativos. No entanto, em Star Wars Outlaws, isso não acontece, pois a textura que gera as cores contrastantes é afetada constantemente pelos elementos do ambiente. Assim, se o objeto contrastado, como um inimigo, estiver em uma área sombreada, sua visualização fica bastante prejudicada.

Entendo que essa escolha pode ter sido feita por razões estéticas, para que o recurso se misture à ambientação do jogo. No entanto, essa implementação compromete a principal função da ferramenta, que é facilitar a visualização de certos aspectos do jogo. Como resultado, o auto contraste não cumpre seu propósito de forma satisfatória para o público-alvo, tornando-se o pior exemplo desse tipo de recurso que já utilizei em um jogo.

Dificuldade 

Ter uma ampla variedade de modos de dificuldade é sempre interessante em jogos, mas é importante lembrar que um modo fácil não é, por si só, uma ferramenta de acessibilidade para pessoas com deficiência. No entanto, em Star Wars Outlaws, temos um alto nível de customização de aspectos específicos da dificuldade, permitindo que cada jogador ajuste características individuais dos desafios do jogo. Isso possibilita uma experiência adaptada às suas necessidades, similar ao que vimos no jogo Guardiões da Galáxia.

É possível modificar aspectos como a quantidade de vida do jogador, a dificuldade das perseguições, entre outros elementos personalizáveis no desafio oferecido pelo game. Esse tipo de customização é excelente, pois permite ao jogador equilibrar o quão punitivo o jogo pode ser em aspectos específicos, sem torná-lo simplesmente fácil e entediante.

Para mim, o ponto que ficou faltando foi a possibilidade de alterar aspectos de dificuldade nas seções de furtividade do jogo, que, na verdade, compõem a maior parte da experiência. Como jogador com baixa visão, achei essas etapas bastante frustrantes, pois não há sinais sonoros claros indicando quando um inimigo está prestes a detectar o jogador. Assim, sempre que eu era visto, já era tarde demais.

Quando a protagonista é notada pelos inimigos, geralmente um combate se inicia, e até aí, dá para contornar a situação. O verdadeiro problema está nas missões que são obrigatoriamente furtivas, nas quais o jogador não pode ser visto de forma alguma. Essas missões acabaram me fazendo desistir de completar o jogo, já que não consegui avançar nesses níveis.

Saindo da furtividade e indo para o combate, talvez o maior problema que encontrei foi a falta de efetividade no auxílio de mira. Esse recurso é tão sutil que, em várias ocasiões, cheguei a verificar se ele estava realmente ativado nas opções. Então, se você depende de um auxílio de mira para se engajar nos combates, saiba que, em Star Wars Outlaws, a implementação desse recurso é extremamente discreta. Uma boa solução seria adicionar um controle deslizante para ajustar o nível de auxílio de mira que o jogador deseja ou, até mesmo, uma diferenciação entre o auxílio de mira e a mira automática, que não existe no jogo.

A alta customização dos modos de dificuldade é sempre bem-vinda e, aqui, é o ponto forte, permitindo criar uma experiência compatível com diferentes públicos. Porém, como na maioria dos recursos presentes no jogo, sinto que eles chegam “quase lá”, mas ainda deixam a desejar. Como mencionei, acabei abandonando o jogo por conta da dificuldade nas partes furtivas, já que não existem opções para ajustar a dificuldade desse tipo de missão, que, no geral, compõem a maior parte do jogo.

Legendas e Audiodescrição 

As legendas são um recurso extremamente importante para o entendimento da narrativa e de outros aspectos do mundo de uma obra audiovisual. Sua função vai além de simplesmente traduzir um idioma de forma textual. Em alguns casos específicos, como no de pessoas com deficiência auditiva, as legendas acabam sendo a única forma de acompanhar a história do jogo.

Em Star Wars Outlaws, temos um sistema bastante completo de legendas. O jogo oferece uma vasta gama de opções e customizações para os textos e os elementos que as legendas devem destacar ao longo da história. As principais customizações incluem:

• Tamanho da legenda;
• Cor de fundo, para destacar as legendas do cenário e facilitar a leitura;
• Cores do texto em geral;
• Legendas para sons do jogo, como explosões e tiros;
• Legendas para NPCs no mundo aberto.

Essa última opção é especialmente interessante, pois, embora possa ser incômodo ver diálogos irrelevantes constantemente, o jogador tem a liberdade de escolher se deseja imergir completamente no mundo de Star Wars Outlaws e acompanhar até os diálogos de fundo.

Aqui temos o pacote completo para quem precisa das legendas para consumir a mídia de videogame. Além do texto em si, há a possibilidade de ativar setas que indicam de onde o som está vindo, proporcionando uma experiência mais completa para jogadores com deficiência auditiva. Para finalizar, não posso deixar de mencionar o alto nível de customização presente em cada aspecto dos textos, fazendo com que as legendas de Star Wars Outlaws sejam bastante excelentes e superiores à média de outros jogos.

Ainda no contexto da narrativa de Star Wars Outlaws, é importante destacar a audiodescrição presente nas CGs do game. Ela é de altíssima qualidade, descrevendo as cenas sem atropelar os diálogos e oferecendo um roteiro muito bem elaborado.

Tudo da audiodescrição está no lugar — acho que encontrei somente um problema que não pode ser deixado de lado, para os brasileiros: o recurso de audiodescrição não está disponível em português. Dessa maneira, se você precisar dessa ferramenta, terá que utilizá-la em inglês.

Controles 

Ter uma boa variedade de customizações nos controles é essencial para jogadores com algum tipo de deficiência motora. Essas customizações podem tornar a jogatina mais confortável e, em alguns casos, possível. Dependendo da deficiência motora, o jogador pode usar diferentes tipos de controles, como o Adaptive Controller da Microsoft, por exemplo.

A Ubisoft, sendo uma empresa relativamente experiente e até mesmo pioneira na área de acessibilidade, deixou a desejar ao não incluir uma opção de remapeamento de controle. No entanto, o jogo oferece opções avançadas muito boas para os controles, como predefinições de controles, definição da zona morta dos dois analógicos e uma customização detalhada dos eixos X e Y dos analógicos para diferentes momentos do gameplay.

Gameplay

O gameplay de Star Wars Outlaws se divide em mecânicas como exploração, combate e minigames pelo mundo aberto do jogo. Cada uma dessas mecânicas possui recursos de acessibilidade específicos que, devido ao tamanho desta análise, não poderei cobrir todos. No entanto, destacarei os principais de cada aspecto do jogo e o que ficou faltando.

Na exploração, há dois principais modos de locomoção pelos planetas: podemos usar veículos chamados spider-bikes, que são naves que lembram motocicletas, ou andar a pé. Quando estamos no veículo, as opções de acessibilidade são limitadas a desativar o dano causado por colisões e a criação de paredes invisíveis para evitar quedas. Quando andamos a pé, há um auxílio de navegação vinculado ao leitor de tela, que de modo geral, não funciona bem e não é prático.

Além disso, existem momentos no jogo em que o objetivo não é claro e o marcador de objetivo não indica o que deve ser feito. Nesse caso, um jogador cego não terá nem mesmo o auxílio do precário sistema de narração de objetivo por voz nessas partes.

O combate em Star Wars Outlaws se divide em duas frentes: a troca de tiros e o combate furtivo. Nas partes furtivas, não há nenhuma assistência de ferramentas de acessibilidade. No combate de troca de tiros, há uma assistência de mira, mas ela é muito sutil e não chega nem perto de uma mira automática ou algo semelhante.

Por fim, temos os minigames, que talvez sejam a parte mais acessível do gameplay. O principal minigame do jogo envolve arrombamento de portas, que é executado de forma rítmica. Há a opção de utilizar complementos visuais que demonstram o ritmo, indicando quando o gatilho deve ser apertado, de forma semelhante ao que acontece em Hi-Fi Rush.

O outro minigame disponível são os jogos de cartas. Além de serem lidos pelo leitor de tela, que funciona somente em inglês, há uma opção de acessibilidade interessante pensada para ele. Por padrão, o valor de cada carta é indicado através de símbolos representados por pequenos triângulos. 

No entanto, é possível alterar para duas fontes diferentes que facilitam a leitura. Assim, a solução é simples, mas bastante útil, pois o ícone dos triângulos pode ser trocado por números, tornando a visualização dos valores das cartas mais clara.

Vale a pena? 

De modo geral, sinto que a Ubisoft está realmente tentando tornar seus jogos cada vez mais acessíveis. Se você olhar superficialmente, verá que Star Wars Outlaws apresenta uma grande quantidade de recursos. No entanto, parece que a implementação desses recursos sempre chega quase lá, mas sempre falta algum detalhe, não executando a experiência da maneira ideal.

Eu comparo Star Wars Outlaws ao filme O Império Contra-Ataca, que é o melhor da franquia na minha opinião. Quando digo que Star Wars Outlaws é o O Império Contra-Ataca da acessibilidade em jogos, não estou dizendo que o jogo tem a melhor acessibilidade do mundo. 

O que quero dizer é que sinto que ainda estamos no meio da jornada da Ubisoft em relação à acessibilidade. Assim como os rebeldes ainda não derrotaram o império, a Ubisoft ainda precisa se preparar para muitas batalhas. Embora tenha alcançado algumas vitórias, o império da inacessibilidade ainda está presente e se fortalecendo.

Brincadeiras à parte, o jogo oferece recursos muito bons para pessoas com deficiências cognitivas e auditivas, como legendas ocultas para sons do jogo e uma ampla gama de opções de customização do HUD. Customização é a palavra-chave aqui, e é, sem dúvida, o ponto alto do jogo. No entanto, para mim, que tenho deficiência visual, mesmo com o leitor de tela, audiodescrição e alto contraste, não consegui experimentar o jogo de forma confortável e ideal. A implementação dos recursos e seu funcionamento em conjunto ainda precisam de melhorias.

Star Wars Outlaws tem sim muitos recursos de acessibilidade, e você pode ter uma boa experiência com o jogo. Pode haver alguns problemas que causem frustrações, mas, de modo geral, sinto que a Ubisoft e a Massive Entertainment estão quase chegando ao ponto ideal de acessibilidade. Eles estão muito perto, mas ainda há muitas arestas a ajustar. Quem sabe nos próximos jogos das empresas.